Correspondência


HL CORRESPONDÊNCIA PESSOAL

Rubião, Aurélia. Belo Horizonte e São Paulo. 7 de dezembro de 1938 a 28 de dezembro de 1959. 43 fls



Rua Rio de Janeiro 998, Belo Horizonte, 7-12-1938


Henriqueta,

gratíssima pelo grande prazer intelectual que você me proporcionou com seu magnífico livro. Fiquei encantada de encontrar em versos, o que eu chamaria de aquarela, ideias tão profundas. Só a transcendência da poesia poderia dar este belo contraste, que você tão bem soube empregar. Além disso, com grande talento e felicidade, logrou ser sugestivamente modernista, sem ter rompido de todo com o passadismo no que este tem de plasmável para a emoção do verso. Seus versos têm ritmos e pensamentos. Li-o e reli-o, e, na minha devota admiração pelo seu formoso talento, coloco-a entre as melhores poetisas do Brasil.

O meu abraço,

Aurélia Rubião



Hotel Liberdade, Rua João Adolfo, 2. São Paulo, 5-1-40


Henriqueta,

Um afetuoso abraço.

Renovo os meus votos de felicidades pela passagem do ano, desejando que o Pai Noel tenha deixado nos seus sapatos, tudo o que ele tinha de melhor. Você tem passado bem? E os seus? Estou ansiosa por saber si você já está Boa e se vem passar uns dias aqui.

São Paulo está quente e sem chuva. Em Cruzeiro, onde estive uns dias, sofri um resfriado e estou até agora, mas espero que passe logo. Tenho revisto tudo e todas com muitas saudades, porém não me esquecendo de nosso Belo Horizonte e dos bons amigos de lá.

Falemos ainda do Rio. Fui visitar o Mário de Andrade, que estava de saída para aqui, indo depois fazer uma estação de águas. Tive um acolhimento muito paternal com muitos conselhos e promessas. Disse-lhe (por minha conta) que você me havia recomendado que lhe fizesse uma visita. Ao me despedir ele disse que fizesse também uma afetuosíssima (superlativo...) visita a D. Henriqueta, “a quem eu fiquei querendo tão bem” e concluiu: Só a figura dela já obriga a gente a quere-la bem” (!...)

Quase fiquei escandalizada com tantas declarações. À noite esteve no hotel o Pascoal; não sei se foi a influência estética do Mario (não se zangue) achei o Pascoal lindo! parecendo um fauno. Ficou satisfeito quando lhe disse que fui ver “os Romanescos”.

Ele também assistiu a peça do José Carlos. Estive ligeiramente com o Landuce.

E aí que há de novo? Rosita como vai de secretária da educação?

Vou fazer, em companhia de uma colega, o retrato de Roscame. Estou muito entusiasmada e espero fazer inveja ao José Carlos com o retrato.

Henriqueta, vou deixa-la com minha saudade, até mais tarde. Você, como passou de ontem? Não pude terminar esta, porque tive uma visita de 4 horas.

Não sei se lhe escrevi que estive em casa do [S ou L] Rosa? Não o encontrei, mas dei as poesias para a senhora dele. Ela é muito interessante e gostei muito de ter ido.

Mandei-lhe um endereço num cartão, mas, por enquanto, meu endereço é outro, de qualquer forma receberei.

Recomendo-me a todos e a você mais outro abraço.

[na margem]: Mando abraços de Boas Festas a Rosita gostei muito dos retratos que vieram. Estão melhores do que o natural [rasurado pela autora] original


Todos os Santos de 1941, Avenida Dr. Arnaldo 1504

Henriqueta.

As saudades estão no mesmo pé.

Estava saindo para a casa do Mário quando recebi sua carta. Fui com Maria, que tinha imensa vontade de conhece-lo. Chovia muito, mas fomos assim mesmo, porque ele estava nos esperando. Achei sua casa um mundo! Livros, quadros, esculturas, santos e por toda parte mil cousas de arte e de curiosidades. Na sala um piano de cauda e uma almofada prosaica em cada cadeira. Levou-nos para o estúdio que é um verdadeiro museu, tranquilo e longe do barulho das crianças, pois tem também sobrinhos em casa. Contou-nos, encantado, que tem um recém-nascido. Achei-o feliz, bonito, gordo, diferente. Interessante que só ao chegar a minha casa é que me lembrei que ele não estava com os mesmos dentes, e era esse o motivo de achá-lo diferente e com uma boca muito bonita quando falava. (não tenha ciúmes). Disse ter gostado imensamente ou melhor, usando a expressão dele, envrimente dos seus versos para criança e acha que seu livro será um livro definitivo no gênero. Pediu-me que lhe dissesse que recebeu sua carta e não respondeu ainda por falta de tempo e, para justificar, mostrou-me as cartas que recebe por dia (!!). Vibrou muito quando lhe disse que estou fazendo força para você vir aqui. Contou-me, como se eu não soubesse, que corresponde com você, mas que está com muita saudade de você, da sua pessoa. Deu a entender que, neste estado de saudade, as cartas não satisfazem. Um dos sérios motivos que a obriga a vir aqui. Espero que venha, pois só a ideia que isto possa acontecer trouxe-me alegria. Voltemos ao Mario. Pregou-nos um sermão sobre arte moderna e se interessou pela arte da Maria. Gosta também (que homem completo!) de desenhos de criança e tem uma bela coleção, que é para eu ver na primeira oportunidade. Convidou-me para ir fazer estudos em sua casa, pois tem ótimos livros sobre o assunto. Conheço alguém que ficaria com inveja... Enfim, foi uma tarde agradável, como você havia previsto.

Gostei muito da “corrente de formiguinhas”. Acho uma das mais encantadoras. A peça do José Carlos foi irradiada pela Myrinha (?) do Rio, mas uma dessas noites, a “Tupi” de São Paulo irradiou outra peça dele. Não pude ouvir, mas parece-nos que se intitula “gente simples”.

Saudades a todos e a você um longo abraço. Saudades a Rosita.

Aurélia


[na margem]: Recebi uma carta mirrada do mulherio de casa.


Avenida Dr. Arnaldo 1492 (Este é meu endereço, aquele primeiro é de Maria 5-1-1942

Henriqueta

Agradeço e retribuo os votos de felicidades para 1942. Sua carta é para mim um conforto espiritual e é uma festa o dia que chega. Fiquei desolada coma notícia que você não vem a São Paulo. Achava difícil, mas tinha uma esperançazinha. Venha em setembro para o Congresso Eucarístico. Se o motivo é aquele, que a impede, no [rasurado pela autora] congresso justificará uma viagem por mais longa que seja, não acha. Quem sabe também se até lá já estou melhor instalada para recebe-la com mais conforto, se Deus quiser.

Fiquei com inveja de você dizer que vai passar uns dias no horto florestal.

São Paulo já me está cansando e suspiro por um lugar mais tranquilo

Minhas férias pouco tenho aproveitado.

Em dezembro Nonoca esteve uns 20 dias de cama com gripe e nevralgia. (isto é o que suponho, pois mesmo o médico não disse ao certo o qual era a doença). Melhorou sua dessa complicação, mas teve uma cólica e está em observação, pois há suspeita que seja apendicite. O médico disse que pode ser colite e estou rezando que seja, pois tenho horror a operação. E a sua apendicite como vai?

De arte nada fiz, porque desde que cheguei tem sido uma luta sem tréguas. Vamos ter um salão em fevereiro e ainda quero ver se faço alguma cousa, apesar da falta de tranquilidade. Comecei um autorretrato e até agora está me agradando, mas receio sempre o fim.

Enquanto ao seu conselho para eu fugir dos professores é opinião de todos, exceto do Mário. Estou com a maioria. O Mario não conhece meus trabalhos e não tenho interesse que conheça já, pois me sinto com capacidade de realizar alguma cousa, que mais tarde possa agradar.

Você e Amarante me dão a entender que confiam em mim e isto clareia as dúvidas que sempre me cercaram.

Falando em Mario, gostei de saber que ele vai continuar o estudo de sua poesia. Terá muita cousa ainda para dizer. Há dias o vi na rua. Não sei se terá me visto. Estava de branco e muito elegante! Está ainda longe do Pascoal em elegância. Sei que você não é dessa opinião e apresento-lhe minhas escusas pelo nosso desacordo.

A ingenuidade do Álvaro Lins chama-la “esperança” é notável! Não vi a crítica, mas faço ideia. Foi elegante o Fidelino Figueiredo externar sua revolta. É pena que esses críticos medievais e sem escrúpulos não saibam disso.

Gostei de saber do movimento literário aí. Tenho lido pouco. Estou lendo Dostoievsky (que nome difícil de escrever). Nunca tinha lido nada dele e estou achando muito curioso.

Bom, vou deixa-la porque é tarde.

Você terá que fazer ginástica mental para entender minha carta. Estou sem memória e muito cansada.

Recebi a cartinha de Jesus e agradeço. Agradeço também as notícias de casa que você mandou. Há dias Maria Antonieta não escreve. Mando meu abraço a todos e a você o maior deles.

Nonoca envia-lhe saudades

Aurélia


26-02-43

Henriqueta

Um abraço apertado a você e aos seus. Então, que me conta das férias? Ficou feito gata borralheira ou saiu um pouco? Conta-me tudo. Este ano tivemos as férias cortadas em alguns dias e vocês? Soube, por Maria Olímpia, que o colégio São Paulo vai ser transformado em escola de comercio. Você seria transferida? As meninas estão pesarosas em precisar mudar de colégio. Há muito tempo não sei de Maria Antónia. Como vai de saúde, de estudos e de beleza? Tem conservado aquela carinha linda? E a de D. Bibi?

Em São Paulo encontrei tudo na mesma. O salão de Belas Artes está para se abrir. Este ano vou apresentar-me bem mais fraca do que o ano passado. É pena, porque a comissão é ótima. Deixei os trabalhos para fazer nas férias, mas tive tantas preocupações, tantas lutas que o trabalho que fiz não correspondeu a finalidade. Em São Paulo o problema das artes plásticas está ferozmente dividido em dois partidos. Os modernos, que estão com toda a imprensa e os acadêmicos que contam com o apoio da prefeitura e do Estado. Cá de meu canto, falando no sentido artístico, não estou com nenhum apesar de concorrer no Salão dos acadêmicos, (mais tarde quero concorrer também ao moderno. Acender uma vela a Deus, outra ao diabo).

Os salões se realizam quase na mesma ocasião. As escolas diversas mas as mediocridades semelhantes. Você precisa muito vir a São Paulo. Temos muita cousa que ver e comentar. Como vai de poesia? E seu livro? Escreva-me logo, sim? Perdoa-me escrever assim pela margem, mas foi este o único papel que encontrei aqui na escola, onde escrevo. Um mundo de saudade,

Aurélia


24-08-43

Henriqueta

Perdoe-me a demora em agradecer-lhe a linda poesia do Paulo Jaraguá. Achei-a um mimo! Foi uma surpresa para Maria, que ficou encantada e sensibilizadíssima. Interessante que você disse uns versos igual ao que o pai sempre repetia ao pequeno “menino mais lindo no mundo não há’. Gostaram muito dessa coincidência. Ela pediu-me que lhe mandasse seus agradecimentos e lhe dissesse que se precisar de alguma ilustração ela terá grande prazer em faze-la.

Não me conformo de você ter esfriado de vir a São Paulo. Espero, que ficando mais forte, decida a vir. Outubro é quente e a viagem do Rio é suavíssima, vindo de noturno. E ademais seria uma negra ingratidão não vir cumprimentar Mario... Resolva, sim?

Soube que Eugênio foi operado a semana passada?

Escreveram-me que tinha sido feliz.

Contar-lhe-ei do concurso em outra carta. Estou de saída para a escola.

Abraços aos seus e a você uma grande ternura e um grande Deus lhe pague por tudo.

Aurélia

Saudades de Josefina.

A exposição de Portinari aí seria mesmo “um Deus nos acuda!”!

Mais saudades


2-3-44

Henriqueta.

Recebi sua carta. Muito obrigada por tudo.

Resolvi esperar um pouco visto a escola não se abrir já. No momento não me é oportuno tirar licença, mas faria, caso minha presença fosse necessária para assegurar o lugar. Acha vantagem na minha presença aí? Tomei as aulas de desenho de um outro colégio e seriam duas licenças para obter. Prefiro ver o resultado da escola de Belas Artes para depois tratar da transferência.

Vou escrever também a Maria Antonieta que também se tem afobado com os meus problemas.

Não soube mais de Mario. Contei-lhe que ele disse ao Murilo que está aborrecido com os regimes e preferiria ser operado? Amarante o viu na cidade e achou com ótima aparência.

Você não me contou o colégio onde está trabalhando?

Como vai de poesias? Terminei hoje de ler o livro de Job (aquela coleção que você me deu). Que beleza, hein? Agora vou começar os Psalmos.

Escrevi a Maria de Jesus, ela recebeu? Está contente com o emprego? E Rosita?

Mando meu abraço a todos e a você o maior deles e um “Deus lhe pague”.

Saudades de Josefina.

Aurélia


3-11-44

Henriqueta

Abraço-a. Sua carta trouxe-me duas alegrias: a promessa de sua vinda a São Paulo e a visita do Mario, que a fez passar horas tão felizes... Depois de sua carta estive com ele numa exposição. Disse-me que achou Belo Horizonte uma delícia! Que esteve muitas vezes com você e falaram a meu respeito. (Fiquei lisonjeada por não ser esquecida num momento de espiritualidade e arte como seria o colóquio de vocês) Mario prometeu vir ao meu atelier no começo deste mês. Mostrou muito interesse em ver os meus trabalhos e o convidei, apesar de ter pouca coisa, ou talvez nenhuma, que o possa agradar. Será uma visita de orientação e espero aproveitá-la muito.

É uma grande tentação o seu convite para eu ir a Belo Horizonte, mas este ano ainda vou resisti-la. Recebi também o convite para ir assistir à formatura de Paulo, meu primo. Lamento não poder ir. Minhas férias começam a 20 de dezembro. Caso Papai não venha, como prometeu vir darei um pulo à Varginha para vê-lo, mas será cousa de uma semana. Depois estarei aqui a sua espera. Mario contou-me: (como se eu não soubesse) “Henriqueta deve vir no fim do ano conhecer esta feiura de São Paulo”. Estamos encantados e a esperamos com muito carinho. Escreva-me combinando tudo.

Gostei muito do título do seu novo livro. Um título grave como a hora presente. Você tem produzido muito. Quando vim, o “Menino Poeta” ainda estava em esboço. Parabéns para sua musa!

Bom, Henriqueta, vou deixar este doce assunto de poesia para quando estivermos juntas. Tive hoje um dia de luta. Perdi um colega (velho mestre da escola) e fui a casa dele e dei mil voltas. O transporte em São Paulo é seríssimo. Faço um trajeto de 30 minutos de casa à cidade e sempre de pé no bonde.

Josefina envia-lhe saudades Recomendo-me a todos os seus. Maria de Jesus continua contente no emprego? E Rosita?

Um novo abraço e um mundo de saudades.

Aurélia

Vi na revista “Belo Horizonte” o seu retrato ao lado do prefeito. Que saudade!


5-3-45

Henriqueta querida

Perdoe-me não lhe ter telefonado para avisar, com menos rudeza a morte de Mario. Quando, segunda-feira à tarde, soube da notícia fiquei desorientada. Só tinha um pensamento: correr lá, levar-lhe seu adeus, contemplar longamente a *face lívida* para descreve-la ou reproduzi-la minuciosamente a você, tirar do caixão uma flor para lhe mandar. Fui correndo, pois não sabia a hora do enterro e receava não o encontrar. Estava saindo o enterro, quando cheguei. Não o pude ver. Mais tarde, recompondo um pouco as ideias, vi que devia lhe ter avisado, mas achei tarde, pois já havia tempo da terrível notícia ter chegado a Belo Horizonte.

Em casa dele tive a impressão que você era uma pessoa da família, que estava ausente, porque no momento trágico da saída do enterro, todos se lembram de você. Ao entrar, encontrei-me com Dona Celeste, que me abraçou dizendo: “como Dona Henriqueta irá receber essa notícia”! Lurdes, desolada, ao me ver disse: coitada de Henriqueta! E a tia velhinha, tão acabrunhada, tão esmagada pela dor pediu-me: “escreva à sua amiga e diga-lhe que estou desolada”! Dona Mariquinha não vi. Lourdes conseguiu leva-la para cima. O irmão e os outros parentes tinham saído para o enterro. São Paulo inteiro ficou consternado. Mario era universal e cada um de nós, cada criatura perdeu alguma cousa com sua morte. Disse-me Oroncinho que a fisionomia estava calma, como se estivesse adormecido.

Tinha pensado, mesmo sem lhe consultar, pedir uma lembrança para você. Farei ao Laia o seu pedido.

Na estação, depois que o trem partiu, andamos um bom pedaço em silencio, respeitando cada um a emoção do outro. Depois eu lhe disse: estou com remorso, pois tive culpa de Henriqueta não aproveitar mais. Ele disse que no começo teve medo da distância atrapalhar, mas depois achou que não. E ainda caçoou dizendo: vocês mulheres são sempre mais razoáveis do que nós. Depois disse que ia visitar um compadre operários, que mora no Braz e que todas as vezes que acompanhava alguém a estação fazia esta visita. Perguntei-lhe se tinha muitos afilhados e respondeu: nesse mundo há sujeitos com cara de padrinho e eu sou um deles. Tenho um colosso de afilhados e preciso um orçamento para isto, pois quando me visitam sempre dou alguma cousa. Aí nos despedimos, prometendo me telefonar dai a 15 dias para a pose, mas recomendou que queria um retrato como eu quisesse e sentisse e que não daria a menor opinião. Havia de senti-lo muito bonito, lindo até, porque seu espírito belíssimo irradiava e meu pincel, ainda que medíocre, não podia deixar de perceber. Estou querendo saber se tiraram sua máscara. Acho impossível que não o tenham feito. Ninguém ainda me soube informar.

Desde a hora que tive a notícia, tenho estado e sofrido com você. Não lhe escrevi com receio de magoá-la mais.

Coragem, Henriqueta, chegue-se ainda mais a Deus, pois você precisa continuar sua obra, porque foi ela o laço forte que ligou aquela profunda amizade, que você chamou de amizade amorosa.

Nonoca envia seu longo abraço de pesar.

Meus amigos todos têm se interessado por você.

Abraço-a afetuosamente, pedindo a Deus que a ampare.

Aurélia


27/04/45

Henriqueta.

Sua poesia comoveu-me muito! Tive a impressão de uma cousa enxuta de lágrimas, seca, aguda, penetrante, trazendo a desolação do irremediável, do vazio. Neste verso, “Mário não responde mais” você concentrou tudo que a morte tem de desesperador: chamarmos por uma pessoa, que não responde... a poesia é um grito de angústia e de saudade, que seu gênio e sua sensibilidade puderam exprimir nestes quarenta versos amargos. Peço a Deus que tenha sido um desabafo e que você se sinta mais consolada agora.

É possível que minha carta do dia 20 ou 21 tenha chegado aí depois que a sua veio. Chegou mesmo?

Estou acabando o livro “Voz de Minas”. Gostei muito. E, apesar de achar como você muito lisonjeiro à Minas, encontrei grande parte de verdade. Muitos de meus defeitos, (vagarosa, rotineira, tímida) vaidosamente me justifiquei.

Agradeço o abraço de Luguca (?) e envio—lhe outro. Ela está contente no pensionato?

Está anunciado, entre as conferências da biblioteca, um debate sobre arte, que tomarão parte: Sérgio Milliet, Roger Bastide e o Laia. Vou aproveitar a oportunidade para fazer chegar ao Bastide o livro que você lhe deixou para ser entregue. Estou gostando de ter ocasião de ver valor intelectual do Laia (?).

Bom Henriqueta, vou deixar o resto do assunto para outro dia. Estou com um serviço urgente para hoje.

Saudades a todos. A você um grande abraço meu e de Nonoca.

Muito obrigada pelo carinho de mandar a poesia.

Aurélia


26/05/45

Henriqueta

Estou aproveitando uma trégua da molecada aqui na classe para lhe escrever. Como tem passado juntamente com os seus? Um destes dias tive carta de Maria Antonieta, que dava as suas notícias. Nós vamos remando a vida de sempre. Eu muito resfriada, porque o inverso veio de repente com muita intensidade.

Seu convite para ir ao Rio é uma verdadeira tentação, mas não pude resolver, porque preciso ir à Varginha cuidar um pouco do velho, que há mais de ano não vejo e que não está muito forte. Só tenho uma semana de férias e não dá para repartir. Terei grande pesar de Gabriela voltar para o Chile sem que a conheça.

Fui a uma homenagem ao Mário, numa galeria de arte. Achei um pouco prematura e foi uma agonia para a família e os amigos que assistiram. Lourdes e Dr. Carlos choraram todo o tempo. Falou muito bem o Di Cavalcante e leu também uns versos sobre o Mário (sem a força dos seus). Falou também o poeta Rossini Guarnieri bem infeliz na oração, e um outro leu uma carta do Mario, que impressionou muito a assistência pela sua bondade, pelos seus conselhos e sinceridade. Lourdes disse que já começou uma carta para você, mas que ainda não tem coragem de prosseguir. Pediu-me que lhe pedisse desculpas. Esta tão tão aflita, que eu lhe disse: Henriqueta compreende e esperará para mais tarde a sua carta. Estive também com Oneida e falamos muito de você.

O Amarante disse-me que ouviu dizer que vão preparar uma grande homenagem na imprensa para outubro, suponho que seja no aniversário de Mario.

Bom, Henriqueta, vou deixa-la, porque os meninos estão entrando. ~

Se Josefina estivesse mandar-lhe-ia um abraço.

Saudades a todos e a maior de todas a você.

Aurélia


30/10/45

Henriqueta

Estava acabando de lês a “Face lívida” para lhe mandar meu abraço de parabéns e agradecimentos. Não sei o que mais apreciar: se é aquela profunda espiritualidade, que é o característico de sua poesia, se o tom de mistério que envolve todo o livro, ou a força expressiva de certas figuras. Um encantamento! Digno da memória de Mario. Gostei também muito da fatura do livro. Muito simples e muito fino.

Maria ficou muito grata e lisonjeada com o exemplar que lhe enviou. Burlamaqui mandou-lhe os endereços?

Estou às suas ordens para algum que prefira entregar em mãos.

Não sei se na minha última carta, comentei a sua entrada para a academia Mineira? Que honra para ela!

Muito obrigada pelo retrato. Achei ótimo e me senti compensada do que dei ao jornal. É o seu melhor retrato.

Soube há pouco da renúncia do Getúlio ainda não vi os jornais. Que saco de gatos está nosso Brasil, hein?

Abre-se hoje a exposição francesa. Não vejo a hora de visita-la. O público que na outra só se extasiou diante de Mme Recamiés, vai se decepcionar, porque soube que esta será só moderna.

Já tem algum programa para as férias? Penso em passar uns dias aí, se Deus quiser, mas queria saber se pretende sair no começo das férias ou no fim.

Estou fazendo projetos, mas com receio que venha alguma revolução ou desordem política atrapalhar.

Meu abraço a todos. Josefina envia-lhe saudades.

Meu abraço, mais agradecimentos e uma grande ternura da

Aurélia

Vou registrar esta. As coisas não parecem bem. Polícia e soldados por toda parte.


12/09/47

Henriqueta querida.

Queria tanto estar aí para sofre de perto com você, mas de longe quase não sinto coragem para lhe escrever. Perdeu tão grande tesouro que só deus poderá dar-lhe resignação e conforto.

É o que tenho pedido todas as horas. Soube que D. Sinhá está mais forte do que você. Coragem, Henriqueta, não se entregue assim. Um dia nos reuniremos em torno de um mesmo Pai, onde nunca mais haverá distâncias nem separações.

Mando meu triste abraço à D. Sinhá, Alaíde e aos outros. A você todo o carinho e meu grande abraço

Aurélia


21/10/48

Henriqueta

Recebi sua carta. Muito obrigada pelas felicitações. A medalha de outro não me dá muita esperança, porque requer um trabalho de grandes proporções e não sinto com coragem e nem com capacidade para tentar. Não perco, porém, a esperança de fazermos jutas uma viagem. Não digo à Europa, mas pela América do Sul, que seria bem interessante. Oliani, que conhece todos os museus do mundo, encontrou cousas notáveis na argentina e Chile.

Fiquei muito interessada pelo terreno na vila Lucia. Belo Horizonte está progredindo muito e como o centro urbano é pequeno, terá que se estender com certa pressa pelos bairros e vilas. Creio que, por vários motivos, não me é possível ir aí nestas próximas férias. Acha que seria possível fazer o negócio daqui mesmo?

Hoje estive no Sumaré e trouxe para lhe mandar umas ilustrações que Maria fez há tempos. Ela estava esperando tempo para fazer outras, mas como o tempo continua escasso resolveu mandar-lhe as que estavam prontas. Ela disse que você precisando de alguma ilustração para jornal é só lhe enviar a poesia que fará com grande prazer. Vou mandar registradas e com bem (?) cuidado, pois sei que lhe darão prazer (a você).

Vou deixar o resto das prosas para outro dia.

São horas mortas e Nonoca, que dorme com as galinhas, está a minha espera para rezarmos o terço juntas.

Recomendo-me a D. Sinhá e aos outros.

Qual o seu programa prás férias? Não se anima um passeio pelo Sul de Minas?

Saudades de Nonoca. Um longo e carinhoso abraço da

Aurélia

13/11/48

Henriqueta querida.

Recebi hoje sua carta. Um Deus lhe pague pelo carinho com que cuidou de meus interesses. Estou resolvida a ficar com o terreno perto do seu. Penso que a valorização de um terreno de esquina compensa os impostos mais caros.

Queria saber a importância que devo mandar, incluindo a entrada, despesa do contrato e mais outras despesas que tive, qual o banco e se deve ir em seu nome. Não quero dar muito trabalho a você, que já tem tantos. As mensalidades preferia mandar de modo que também não lhe dessem nenhum trabalho etc.

Também gostei muito das ilustrações de Maria. É de fato a ilustradora de sua poesia. Existe alguma afinidade entre ambas. Vi a reportagem do cruzeiro sobre os escritores mineiros. Não gostei de seu retrato. Parece-me que foi tirado muito de perto e lhe ampliou os traços.

Escrever-lhe-ei com vagar. Ainda quero alcançar o correio aberto. Meu abraço e muitos agradecimentos. Nonoca envia-lhe seu abraço.

Aurélia



21/03/49

Henriqueta.

Um Deus lhe pague pela sua carta, a mais linda biografia que se escreveu do Eugênio. Se a carta me fez chorar muito, a poesia trouxe-me aquele verso de infinito consolo “na morte nos encontraremos”.

Tenho tido lacónicas notícias daí. Maria Antonieta é de animo forte e penso que dará coragem a todos.

Esteve com Nonoca? Parece-me que hoje ela devia regressar à Varginha com Papai. Estou a todo momento aguardando uma triste notícia de meu último tio de Varginha, que está mal há tempos. Não é um homem ilustrado, mas é boníssimo e nós queremos muito bem a ele. Perdoe-me, Henriqueta, estou parecendo um Jeremias com tantas lamentações.

D. Sinhá ficou boa? Você tem escrito normalmente do “Estado de São Paulo”? Nunca vejo o Estado, porque ele não vem até a Lapa e é preciso ir à cidade compra-lo e precisa ir cedo, porque a tarde já não se encontra.

Envio-lhe um cheque para mais três prestações do terreno. Aos poucos vou perdendo a esperança de voltar a Belo Horizonte. Dr Monteiros me amarrou que nem pedir posso. Bom, nem que seja depois de me aposentar vou ser sua vizinha no terreno da vila Santa Lúcia. Mando meu abraço a Dona Sinhá, Maria Antónia e Alaíde. Muito obrigada por tudo e um longo abraço da Aurélia.


30/04/49

Henriqueta querida.

Não lhe mandei uma cartinha na Páscoa, mas me lembrei muito de você. D. Sinhá tem passado bem? E você? Do meu pessoal tive notícias por Marianinha Horta que está em São Paulo. Recebi sua carta que trazia o recibo. Muito obrigada. Fiquei satisfeita em saber que breve sairão seus livros. Fez bem em fazer nova edição da “Face lívida”. Oportunamente devia fazer também do “Enternecimento”. Não tem vontade?

Tive um convite para pintar alguns retratos para o “Banco da Lavoura” daí. É possível que nas férias vá a Belo Horizonte, porque penso em fazer ao natural o retrato do Nelson Faria, diretor do banco. Fiz hoje o meu pedido de efetivação para a escola. Efetivaram uma professora que ocupava cargo igual ao meu. Recebi carta de um colega do Amazonas que deseja muito vir para São Paulo e pediu permissão para tratar de minha transferência para Belo Horizonte. Disse ter pessoas chegadas ao presidente da República etc. Caso eu seja efetivada ficará muito mais fácil, pois até uma permuta, com algum professor daí, é possível.

Soube que o Sérgio foi passar 6 meses na França? Imagino o cabedal de conhecimentos que vai trazer.

Você já se sente com coragem de vir a São Paulo? É preciso vir só para ver o museu de arte vale a pena. Há pouco foi adquirido um quadro de Rembrandt “Barba nascente”. É um autorretrato. Há grandes nomes, porém muitos trabalhos medievais, mas como não se pode ver as melhores obras dos mestres vamos nos contentando com os nomes.

Fiquei entusiasmada com a Faculdade Católica de Belo Horizonte. Os católicos daí vivem sempre na vanguarda. Em matéria de imprensa São Paulo é uma vergonha, pois não tem um jornal católico até hoje.

Nonoca achou você muito bem. Coitada passou grande susto com Papai que teve um desmaio. Felizmente o medico acudiu com muita presteza. Só por isto já estamos compensadas do sacrifício de ficarmos separadas. Não sei se é a solidão, estou ficando muito contemplativa, uma monja neste formigueiro de São Paulo. Os amigos aos poucos vão sumindo. Oroncio mudou-se, Amarante há um ano e meio que não me aparece. Soube que vai se casar, mas nem me participou. Maria sempre amiga, mas em casa dela, Isabela uma que vinha sempre na Lapa morreu. Tem notícias de Rosita? Meus abraços a D. Sinhá, Maria Antonieta e o maior a você. Aurélia.


29-08-1950

Henriqueta querida.

Um Deus lhe pague comovido pela dedicação com que cuida de meus interesses. Espero que Deus a recompense e obtenha tudo que deseja. Tenho rezado todos os dias para que consiga o lugar na Faculdade. A oportunidade é única e rara e você não a poderá perder, porque ninguém melhor poderia ocupar essa cadeira. O José Oswaldo está muito velho e muito feio e é melhor ficar quietinho lá no Banco.

Já mandei há uns quatro dias a papelada ao Murilo. O pedido de efetivação fiz ao Dutra e o das transferência ao Ministro. O pedido de minha colega daqui foi feito diretamente ao Dutra. Estou com muita esperança nas possibilidades do Murilo.

Não me lembro se lhe contei que , apesar dos requebrados, não assisti o casamento de meu irmão? Não foi possível realizar nas férias e depois não me foi possível ir. Estive em Machado para conhecer a moça. O primeiro acontecimento na família e não estive presente.

Penso que Maria Antonieta já está de volta. Maria Olímpia vinha passar as férias comigo e desistiu para espera-la.

Lamento que o Palácio da Justiça não seja decorado pelo Portinari, apesar de achar muito séria e equilibrada a pintura do Di Cavalcanti (pintura de cavalete, pois mural nunca vi). Dora escreveu-me contando que o prefeito tinha nomeado Aníbal Mattos (!) para diretor da Escola de Belas Artes, mas que fizeram tanto barulho a ala modernista que o prefeito deu a outro a diretoria e o Aníbal e Guignard ficaram como professores. A escola de São Paulo mofa esquecida nas mãos de uma mediocridade incrível. Há ainda alguns antigos professores de nome, mas tão velhos que lá nunca aparecem. É pena.

Parabéns por ter voltado a sua atenção para a Poesia Mística e já faço ideia que Maria vai fazer pelas ilustrações das suas poesias pois ela tem se dedicado muito a este gênero.

Já vai longe esta tagarelice. Meu abraço a todos.

Um longo e carinhoso abraço a você.

Aurélia


28-03-51

Henriqueta querida.

Seu telegrama e sua carta foram um conforto em horas bem amargas. Deus lhe pague.

Há uns dois dias estamos em São Paulo, onde encontramos grande isolamento. Apesar de papei não ter estado conosco aqui, sentimos sua presença viva pela casa, por toda parte.

Que mistério tremendo é a morte! Aniquila os que vão e mais ainda os que ficam, hein?

Estou desolada, porque perdi um pai e um amigo leal em quem confiava os meus grandes e pequenos problemas. Nos seus guardados encontrei todas as minhas cartas que ele guardava há anos com cuidado. Tanta tolice, tanta banalidade encontraram nele carinho e tolerância. No meio de tanto sofrimento ainda tenho o consolo de ter se confessado e recebido a extrema-unção. Papai ter uma morte cristã foi a preocupação máxima de toda minha vida e sinto-me quase tranquila, graças a Deus.

Perdoa-me, Henriqueta, tanta lamúria. Tendo mais coragem escrever-lhe-ei de novo. Recebi mais duas cartas suas antes de papai morrer.

Meu abraço e o de Nonoca.

Aurélia


2 de junho de 1952

Boa Henriqueta

Meu abraço afetuoso e muitos agradecimentos pelas felicitações do aniversário. Certamente foi ideia do mestre Murilo tê-lo posto na Folha de Minas. Os anos estão se acumulando tão depressa e há tanta coisa que desejava fazer, inclusive um pouquinho de santidade que ainda queria obter (É tão difícil!)

Sua carta trouxe boas notícias de D. Sinhá, de Maria Antônia que ficou noiva de um ótimo rapaz e de você estar animada em concorrer ao prêmio São Paulo. Faço com carinho, os melhores votos pelas três.

Compreendo muito bem seu problema de falta de tempo para trabalhar, pois vivo também lamentando a míngua de tempo. Que inveja daqueles artistas antigos que viviam em claustros silenciosos e tinham o dia todo para sua arte, hein? Eu além da falta de tempo ainda não tenho ambiente e junto numa sala de passagem. Fez muito bem deixar a faculdade pois o mirrado ordenado não compensa o tempo que perde. E nosso aumento virá mesmo?

Quanto aos livros só encontrei este de Eliot, porém não sei se é este que você queria. “Filosofia da linguagem” há um em francês de Albert Dauzart. Interessaria a você? Procurei nas melhores livrarias, mas continuarei vendo pelas outras mais modestas.

Recebi carta do Diretor de Belo Horizonte contando sua estadia com Dr Solon e me orientando no que devo fazer. Estou aguardando a vinda de Dr. Solon a São Paulo. Murilo esteve em casa de Maria Olímpia, mas passou quase de passagem por aqui: Deixou-me recado que vai renovar o pedido ao governador etc. Estou tão aflita que resolva esta situação de espera, pois estou com meus negócios em Varginha parados e mesmo aqui precisando mudar deste fim de mundo. Deus lhe pague pelo trabalho de ter procurado o diretor.

Estou com minha cunhada aqui. Veio passar uns dias e meu irmão virá depois. É simples, mas boazinha e nos tem dado prazer.

Mando meu abraço a todos.

Saudades de Nonoca e mais um longo e carinhoso abraço da

Aurélia

(faz hoje 29 anos que perdi minha mãe)


20-07-1954

Henriqueta querida

Tive nestas férias uma série de complicações, que não me deu uma folga para lhe escrever longamente como desejava.

Recebi sua carta do dia 13 de junho. Fiquei satisfeita com as boas notícias, inclusive seu retorno ao curso de Biblioteconomia.

Logo, se Deus quiser, terá pago o apartamento e ficará livre da prosaica preocupação do dinheiro. Ando também as voltas com orçamentos, pois a vida em São Paulo está caríssima! Não foi possível assistir Cristóvão Colombo pelo Barrault. Os teatros de fora estão cobrando 300 cruzeiros a cadeira, que aliás não são caros em relação aos preço dos hotéis etc. mas não são para gente que vive com um minguado ordenado de professora. Esteve também o pequeno teatro de Milão. Este deu um espetáculo popular, mas quando soube não havia mais tempo de ir.

Tenho visto alguma coisa de teatro pela televisão, que a mim não satisfaz absolutamente.

Lamentei muito ter-lhe dado a notícia do Kophe. Não devia ter feito. Não tive mais notícias, porque uma colega ficou de saber e só quando começarem as aulas vamos nos encontrar.

Envio-lhe o retrato do painel de Ilha Bela. Com cores é bem mais agradável. Não me desgostou. Tenho pintado pouco e mais por falta de modelos do que vontade.

Esteve aqui e fizemos alguns passeios o diretor da escola daí e a senhora.

As festas de nove de julho estiveram mais bonitas e melhores organizadas do que as de janeiro. É pena que a multidão não permite a gente aproveitar mais. Em setembro vamos ter o congresso de Nossa Senhora Aparecida e, como vai ser aqui no Ipiranga espero aproveitar muito, se Deus quiser.

Fiquei feliz com a notícia de meu terreno. Devo enviar-lhe ainda alguma mensalidade?

Peço-lhe dizer a D. Sinhá que continuo me lembrando dela todas as tardes, a hora do terço. Abraços de Nonoca. Como vai Zuzuca? Tem aparecido? Envio-lhe saudades. Abraço-a com muitas saudades juntamente com D. Sinhá.

Aurélia


10/08/54

Henriqueta

Com meu carinho. Recebi sua carta e fiquei feliz com as referências carinhosas que fez de meu painel. Lamentei a sua decisão de não vir ao congresso de escritores. Agora que viaja de avião seria tão fácil. Espero que ainda resolva vir este ano. Há tanta coisa bonita, tanta animação. Exposições de pintura é uma seguida da outra. Agora um frade beneditino vai fazer uma de iluminuras. É uma coisa rara, porque é uma arte morta desde que se inventou a imprensa.

Recebi uma oferta pela casa, mas não aceitei. Ofereceram 295 contos e eu quero 330. Espero fazer um negócio com mais calma, pois aí está sempre valorizando.

Acho que faz bem em vender o apto. Alugar não vale a pena, pois trás sempre aborrecimentos.

Segue junto uma relação das prestações do terreno. Não sei se os CH 15.000.00 é contando com a entrada? Se eles estiverem fazendo a conta sem a entrada de 1.500.00 ainda restam mesmo 8 prestações, mas contando com a entrada só falta uma de CH 100,00.

Conferindo os recibos foram 7 não numerados (não estão comigo e penso que estão na mudança aí) o numerado no 1 é de julho de 1949. Tenho comigo aqui 55 recibos. Esta relação que enviei foi tirada pelos meus apontamentos. Não encontrei o contrato de venda. Terei deixado com você?

Envio um cheque para duas prestações, pois podem exigir etc. Não se preocupe com isto. Achei lindo também o título que está pensando substituir “Orvalho quotidiano”, “Azul profundo” me parece mais simples.

Bom, Henriqueta, me perdoe de não ter lhe mandado com mais urgência a resposta de sua carta. Uma serie de cousa, que não contava.

Meu abraço à D. Sinhá e Zuzuca.

Abraços de Nonoca e um longo e saudoso meu

Aurélia


7/06/55

Henriqueta querida.

Tenho pensado muito em você e em todos e um pouco aflita por falta de notícias. D. Sinhá está mais forte? E José Carlos ficou bom? Maria Antonieta também não me tem mandado notícias, aliás nenhuma carta me tem chegado daí.

Tive uns dias atropelada com a Páscoa dos meninos, complicações com mudança e uma fileira de outros afazeres. Agora é que as coisas começam a se acomodar.

Há uns 15 dias que terminei seu livro. Fiquei encantada! Sério e profundo como tudo que você escreve. Sua prosa é uma poesia e ninguém poderia melhor falar de poesia. Senti quando acabei. Que unidade tem as artes, hein? Alguns trechos eram completamente aplicados à pintura e eu ia tirando minhas conclusões com muito proveito. Conta-me a respeito da crítica, do seu sucesso, de tudo.

Por falar em livro, não imagina a tragédia que aconteceu aos meus livros, desenhos e sobretudo à minha coleção de desenhos infantis. Perdi tudo. Deu cupim dos caixões. Que bicho terrível. Os livros foram cortados como se fosse a navalha. Os que não foram destruídos pelos cupins foram pela humidade. Tive uma grande amargura, pois acima dos livros só estavam os quadros. Estes, graças as Deus, chegaram bem. Recebi como uma provação, pois Nonoca não perdeu um figurino velhos. Seus livros, que tanto me orgulhava de possuir todos, não ficou nenhum. Foi ignorância da minha parte, só eu sou culpada, pois deixei dois anos os livros fechados. Enfim, esta é a vida. Aos poucos somos obrigadas a nos desprender das cousas mais caras.

Você que tem feito? Tem outro livro em andamento? Não me conformei ainda do prémio “Mario de Andrade” não ser seu. Percebeu minha carta, onde dizia que D. Dolores Barbosa está na Europa? Quando vem a São Paulo? Minha casa, muito pobre e modesta, já está à sua disposição. Nonoca tem um fogãozinho Ultragaz e fará umas comidinhas bem leves e gostosas para você. Agora que vou começar seriamente a pintar. Vamos ter uma exposição de arte sacra e pretendo fazer uma “Anunciação”.

Envio meu abraço à D. Sinhá. Recomendo-me ao José Carlos e a todos. Nonoca envia a você um longo e carinhoso abraço

Aurélia

Ouviu falar nos milagre do padre de Iambaú? Não tenho dúvida, pelo que tenho visto, que Deus nos concedeu um grande taumaturgo!

Ontem mesmo estive com D. Paulo, o bispo auxiliar de São Paulo, que estava tuberculoso em Campos do Jordão e na véspera de ser operado ficou completamente curado. Está bonito, achei até parecendo uma flor. Tenho sabido de inúmeras curas e conversões entre os conhecidos.

Mais abraços



10-08-1955

Henriqueta

Espero que tenha aproveitado bem as férias com saúde e com muito sossego para escrever sua “Porta do céu”.

E D. Sinhá como vai? E Alaíde, Maria e todos? Tive carta de Maria Antonieta do Rio, onde foi assistir o Congresso e também de Pequetita. Tive muita vontade de ir também, mas não me foi possível.

Ainda não me encontrei com Edna. Esteve em casa, mas eu tinha ido com José Carlos visitar Julieta. Ontem fui até as Perdizes e só encontrei Mônica, tomando conta da casa e dos priminhos de Santos. Waldir, Edna e sua irmã tinham ido ao Rio vê o pai, que está passando mal. Achei a Mónica um encanto! Muito interessante e abordando qualquer assunto. Estão bem instalados num ótimo bairro e com o ônibus elétrico à porta.

Estão comigo dois exemplares seus e dois do Alphonsus. Falei com D. Dolores (preciosíssima como toda paulista grã-fina) pelo telefone e ela me disse que deixaria os livros na portaria do prédio onde mora. Como só deixou dois de cada telefonei novamente, perguntando se sabia com quem poderia encontrar os outros. Disse-me que só estes lhe foram entregues e que não sabe com quem estão. Acham melhor que telefone ao Antônio Candido a respeito? Tem o endereço dele? E a remessa dos livros devo esperar algum portador? Tenho receio de mandar pelo correio. Li o “Azul Profundo” e também o do Alphonsus.

Continuo sem conformar com o resultado do julgamento, principalmente depois que li seu livro. Que lindo! Acho que você cada vez se aproxima mais da natureza das cousas simples e humildes. O livro me comoveu profundamente sob esse aspecto.

Esteve aqui, encontrou-se em casa com Edna, o Joaquim Tomaz. Não o vi, mas disse Nonoca que está muito feio e gordo. Muitas vezes milionário, pois veio comprar uma fileira de apartamentos (!)

Meu carinhoso abraço a D. Sinhá Abraço de Nonoca e um saudosíssimo meu

Aurélia


11/11/55

Henriqueta querida

Já comecei umas três vezes a escrever – lhe, mas sempre um imprevisto não me deixa chegar ao fim.

Você como está? E D. Sinhá e todos?

Há tanto tempo não tenho cartas suas. Muito trabalho?

Há um mês mais ou menos passei uma tarde com Edna lá nas perdizes, onde tive notícias de vocês todos. Ela esteve aqui esta semana, trazendo costuras para Nonoca, mas eu não estava em casa.

Que há de novo por Belo Horizonte? Certamente ficaram contentes com a vitória do Juscelino. Pensei no Murilo e no Alphonsus. Como vai de poesia? Terminou o livro sobre o Caraça? É verso ou prosa? Terminei hoje a leitura de um livro de Raíssa Maritain. Gostei muito. Ela focaliza bem as grandes conversões ao catolicismo do começo do século. Leio nas filas dos ônibus. Graças a Deus tenho facilidade de concentração, pois do contrário não teria tempo para ler.

Recebeu minha carta em que dizia estarem comigo dois originais seus e os dois do Alphonsus? Prefere que os entregue à Edna para quando tiver algum portador para aí?

Tive um ano nulo em pintura. Veio um salão, veio outro e não tive um trabalho mais forte para concorrer. A “Anunciação” está destinada ao Salão de Arte Sacra que se realizará em maio do próximo ano. Não fiquei satisfeita com ela, pois me parece um pouco estampa.

Vou terminar, deixando o resto das tagarelices para outra carta. Enquanto escrevo um rádio anuncia o momento revoltoso e isto me deixa em grande preocupação. Queira Deus que não tenha maiores consequências. Meu abraço à D. Sinhá e a todos abraços de Nonoca.

A você um longo e carinhosíssimo abraço

Aurélia